A sociedade brasileira se sente traída pela Petrobras. Os preços dos combustíveis atrelados ao dólar e os lucros astronômicos realizados pela empresa consolidaram a percepção de que a estatal deixou de servir ao Brasil para se tornar uma organização de interesse de seus funcionários, de alguns políticos e de um pequeno grupo de acionistas. É preciso impedir que tal deformação cause mais prejuízos à sociedade em geral e ao desenvolvimento do país. Há justo clamor pela adoção de uma política energética adequada às demandas do Brasil.
Às custas do sacrifício dos brasileiros, a Petrobras se tornou a petrolífera mais lucrativa do mundo. No primeiro trimestre deste ano, a empresa alcançou uma margem de lucro de 31,6%, enquanto suas concorrentes tiveram, no máximo, 11,5%. Isso ocorre porque a receita oriunda da venda de combustíveis a preços dolarizados sobe mais rápido do que os custos de produção da Petrobras. É um jeito desleal de maximizar lucros. Mas não é só isso.
Ao contrário de suas concorrentes, a Petrobras aplica uma parte muito pequena de seu faturamento em investimento. Isso provoca uma redução na capacidade de refino e, como temos visto nos últimos anos em relação ao diesel, faz a empresa importar mais. O combustível fica ainda mais caro. Hoje, o preço do diesel é bem mais alto do que o da gasolina e do álcool - uma tragédia para um país que depende do transporte rodoviário para quase tudo.
O resultado de tanto desequilíbrio é escandaloso. Vejamos. A Petrobras é a sexta petrolífera do mundo em valor patrimonial, mas é a segunda do planeta em termos de lucro. Na média, as maiores empresas de petróleo deram retorno de 12,2% sobre o patrimônio. Já a Petrobras rendeu 40,1%. Outra barbaridade: se não bastasse render mais, a Petrobras ainda decidiu distribuir mais dividendos para seus acionistas. No primeiro trimestre de 2022, a estatal brasileira distribuiu US$ 10,2 bilhões, quatro vezes mais do que a média das petroleiras internacionais, que ficou em US$ 2,5 bilhões.
Não é apenas o pequeno grupo de acionistas, a maioria estrangeiros, que está enchendo os bolsos de forma abusiva. Os empregados da Petrobras também se esbaldam na dinheirama. O salário médio da empresa passa de R$ 25 mil e pode chegar a R$ 145 mil dependendo do cargo. Isso sem falar nas mordomias, como salário extra nas férias, 14º, plano de saúde, auxilio educação, auxilio alimentação e uma infinidade de outros benefícios que ofendem os demais trabalhadores brasileiros. Nenhum país aguenta uma situação como esta.
Basta olhar a história dos Estados Unidos para vermos como o Brasil é atrasado e injusto com seu povo. Em 1911, os americanos se levantaram contra o monopólio do petróleo. A Suprema Corte, então, decidiu dissolver a Standard Oil, principal empresa do império Rockfeller, com base na legislação antitruste. Naquela época, o povo americano já entendia que o monopólio da exploração, refino e distribuição do petróleo era uma verdadeira conspiração contra o mercado, contra os consumidores e contra a própria economia do país. A Standard Oil foi dividida em 34 novas empresas sendo que algumas se tornaram gigantes como a ExxonMobil, a ChevronTexaco e a Shell, entre outras. Não há dúvida de que decisões como esta contribuíram para a consolidação da maior economia do mundo.
Mais de 100 anos depois, o Brasil continua vacilando em relação à Petrobras, mesmo sabendo dos grandes prejuízos que o monopólio impõe à economia e à sociedade. Vivemos o pior dos mundos: temos um monopólio estatal, excrescência que perverte o mercado, submete os consumidores a preços insuportáveis e, ao mesmo tempo, mantém seus acionistas e funcionários nadando em luxos e privilégios.
Já passou da hora de enfrentarmos este problema. Não podemos retroceder. Temos que realizar a quebra efetiva do monopólio do petróleo no Brasil e construir uma política energética equilibrada, que impeça descalabros como a vinculação dos preços dos combustíveis ao dólar.
A Petrobras tem 80% de seus custos em reais e 80% da produção extraída diretamente de solo brasileiro. Só a ganância justifica a dolarização dos preços. Como pode uma empresa que detém o monopólio definir os seus próprios preços? Como vimos, 100 anos atrás o governo dos Estados Unidos entendeu esta distorção e quebrou o monopólio para defender os interesses do país. Aqui ainda aceitamos os abusos da Petrobras e seu discurso nacionalista-estatizante enquanto transfere a riqueza para as mãos de uns poucos. Isso tem que acabar.
A nova política energética, além de eliminar a dolarização, deve estabelecer parâmetros para a produção e a venda de derivados de petróleo de acordo com as demandas do Brasil. A nossa dependência do transporte rodoviário, por exemplo, deve orientar a política de preços do diesel. Se necessário importar, como está ocorrendo agora, a tabela de preços da gasolina e do álcool deve prever um subsídio ao diesel, já que este combustível está na base da matriz de transporte e seu custo causa impactos em toda a economia, desde o setor de alimentos, até a produção industrial e a mobilidade social.
Na economia de mercado o lucro é muito bem-vindo, mas deve ser auferido sem causar desequilíbrios à economia e sem explorar o povo. Hoje, a Petrobras lucra alto porque faz o que quer. Ela monopoliza todas as etapas do processo, da extração do óleo até a definição de preços no mercado. Privatizada, terá que enfrentar concorrentes e obter resultados com base na competência e não no monopólio. Sendo assim, todo o lucro que der será legitimo, mérito de seus empregados e de seus acionistas.
O governo também deve abrir o mercado para outras empresas, já que o petróleo e o subsolo pertencem à União. Junto com a privatização e a abertura do mercado, é fundamental que o setor de combustíveis seja regulado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), que deverá estabelecer uma política de preços, com planilha em reais, preservando o lucro da Petrobras com justiça e sem abusos. Além disso, a legislação deve ser alterada para que a Petrobras tenha, em seu conselho administrativo, um integrante da sociedade civil, representante legitimo dos maiores consumidores de gasolina e de etanol e um integrante dos transportadores, representante legitimo dos maiores consumidores de diesel.
Não há dúvida de que estas medidas serão benéficas para a economia, para o governo, para os cidadãos e até para a Petrobras, que terá oportunidade de crescer e dar lucros sem deixar um rastro de atraso, miséria e injustiça.
Não podemos esperar mais 100 anos.
Clésio Andrade, empresário, empreendedor social, foi vice-governador de Minas Gerais, ex-senador, ex-presidente da CNT - Confederação Nacional do Transporte e fundador do SEST SENAT
Comentarios